Encarando o medo de dentista, Elena Ferrante e diferentes ritmos de leitura
Minha décima postagem por aqui, acreditam?
Oi gente! Como vocês estão? Tudo bem?
Eu estou, e ontem precisei enfrentar um medo que vinha me causando bastante ansiedade nas últimas semanas: voltar ao dentista.
(Antes de mais nada: sim, era uma emergência.)
Acho que, em condições normais, essa já é uma daquelas fobias que podem até variar de intensidade de pessoa pra pessoa (a minha sempre foi moderada), mas das quais ninguém passa verdadeiramente impune (como não ter pelo menos uma agoniazinha do zunido daquelas maquininhas, do atrito daqueles aparelhos metálicos com seus dentes, de toda aquela intrusão na sua boca?).
Só que agora, a complicação é ainda maior: pra vocês terem uma ideia, essa foi a primeira vez que tirei a máscara na frente de um estranho desde março de 2020.
Os famigerados “protocolos de segurança”: uma apreciação
Pois bem. Quando conversei com meu dentista e sua secretária por WhatsApp há algumas semanas, senti uma animosidade do lado de lá. Não sei se eles entenderam que, por mais que eles saibam que tipo de medidas de segurança estão tomando, esse é um julgamento que ninguém é capaz de fazer à distância, ainda mais nesta fase da pandemia, em que a pandemia em si só parece existir mesmo nos números (cada vez mais difíceis de encontrar na mídia) e na cabeça de meia dúzia de loucos que você ainda vê na rua de máscara; e ainda mais considerando que o que as pessoas normalmente querem dizer quando prometem que estão seguindo “TODOS os protocolos de segurança”, elas estão se referindo mesmo é a isso:
E a isso:
(Tentei encontrar uma imagem em que o pote de álcool em gel estivesse tão sujo quanto na maioria dos estabelecimentos, mas não achei.)
Bom, pra minha surpresa, as três exigências que eu tinha na mente ao me dirigir ao consultório foram cumpridas, e eu percebi isso assim que cheguei:
Não havia trânsito de pessoas no consultório, onde meu dentista esteve sozinho o tempo todo;
A janela estava aberta e a sala bem arejada;
Ele estava com duas máscaras e face shield.
Ou seja, quem não se negou a acompanhar as descobertas da ciência ao longo desse último ano e meio sabe que o mais importante estava sendo feito: evitar transmissões pelo ar - mesmo entre vacinados. O único procedimento que foi mais difícil verificar foi a esterilização de tudo o que foi parar na minha boca (assim como a utilização de materiais descartáveis quando possível). Sim, eu sei que isso é procedimento padrão mesmo em tempos sem pandemia, mas a gente sabe muito bem que quase ninguém segue procedimento padrão em lugar nenhum.
Ao me despedir do meu dentista, ele fez uma piadinha:
“Fica tranquilo, João. Se você pegar covid, não foi aqui”.
Ao que eu respondi prontamente:
“Doutor, você não entendeu: eu não saio de casa pra mais nada”.
Ferrante fever
Vocês que gostam de ler, já se perguntaram quem seria o(a) maior escritor(a) do século 21 até aqui?
Normalmente, quando pensamos em um século completo, fica quase impossível apontar um único nome (quem seria o(a) maior do século 20? Hemingway? Wolf? García Márquez? Faulkner? Christie? Salinger? Orwell? A lista seria imensa e não chegaríamos a lugar nenhum.); mas, no caso de um incompleto como este, ainda em seu vigésimo primeiro ano, acho que ainda dá pra brincar.
Pois, se há alguns anos eu diria David Foster Wallace sem pensar duas vezes, hoje tendo a pensar que ninguém causou um impacto tão poderoso na literatura mundial quanto Elena Ferrante.
É engraçado: por um lado, a discreta - e até pouco tempo atrás, anônima - escritora italiana aí da foto se estabeleceu rapidamente como uma espécie de cronista do século passado; por outro, a sensibilidade exasperada de sua prosa captura num solavanco uma “psicologização” individualista típica dos nossos tempos atuais.
Ler Ferrante é mergulhar em um fluxo de consciência que, cem anos após Proust, acompanha a velocidade hiperativa e a falta de foco do pensamento contemporâneo em um novelo de lã todo emaranhado que se aperta na consciência da protagonista Lenu (alter-ego da autora) de suas próprias limitações como mulher do século 20. É como se a (anti?)heroína não fosse mais capaz de tentar nos ludibriar e não apenas assumisse seus egoísmos, suas patologias, sua toxicidade, seus desequilíbrios, mas também se auto-analisasse no divã de sua própria atividade cerebral ininterrupta - que se corporifica em uma prosa obsessiva e que flui como uma represa cujas barragens acabaram de arrebentar.
A prosa de Ferrante é esquizofrênica, no sentido de possuir um domínio absoluto do clássico e do contemporâneo, do erudito e do vulgar, do sensual e do repugnante, atingindo um controle absoluto da fragmentação interna das entranhas do romance. É por isso que só consigo ler Ferrante em impulsos impensados em que sento, pego o livro e o termino em um ou dois dias, parando só pra comer.
Mas me digam uma coisa: quem vocês considerariam o(a) grande escritor(a) do século até agora? Me mandem seus comentários!
O tempo certo de cada livro
Não é sempre que eu leio assim, obviamente. No caso de Ferrante e sua “tetralogia napolitana”, por exemplo, acabei agora o terceiro livro, História de quem Foge e de quem Fica (que li inteiro no feriado e que acho que se tornou meu favorito). Se alguém fuçar meu perfil no Goodreads, porém, vai descobrir que comecei um livro de não-ficção intitulado Far from the Tree: Parents, Children, and the Search for Identity em 17 de maio deste ano…
…e o clássico Livro do Desassossego, do Fernando Pessoa, mais cedo ainda, em 21 de abril.
E que ainda não terminei nenhum dos dois.
Cada uma dessas “demoras”, aliás, tem um motivo diferente.
Far from the Tree é um estudo maravilhoso sobre identidades horizontais; ou seja: sobre as características que nós não herdamos de nossos pais, e que, não só por isso, mas também por isso, são as que causam maior sofrimento ao longo da vida (pra vocês terem uma ideia, nos capítulos que já atravessei, ele fala de autismo, síndrome de down, anões, surdez e esquizofrenia). São elas que, ao longo da história, foram tratadas como anomalias causadas por demônios ou por mero relapso dos pais, e que só hoje são vistas como identidades culturais que as pessoas carregam no mundo (sem ignorar, claro, as limitações, mais ou menos debilitantes, que cada uma delas acarreta).
Esse é um livro que estou ouvindo em audiobook nas minhas caminhadas, e mesmo sem ter chegado sequer à metade, ele já se tornou um guia de paternidade que certamente vou usar se tiver filhos no futuro (mesmo se eles não apresentarem nenhuma dessas condições mais limitantes abordadas pelo autor).
A razão pela qual tenho o “lido” mais lentamente, porém, é simplesmente a tristeza que algumas histórias ali contidas me trazem.
Eu quero ler tudo e vou fazer isso, mas tenho escolhido bem os dias e horários em que me sinto forte o suficiente pra retornar àquele espaço. Faz sentido?
Já o livro de Pessoa, pra quem não conhece, é, na verdade, uma espécie de “não-livro”, no sentido em que é constituído de centenas de fragmentos escritos pelo autor ao longo de sua vida (vários deles incompletos, uns planejados para o tal projeto “do desassosego”, outros nós jamais vamos saber), e que, pra mim, são melhor apreciados aos poucos, como um livro de cabeceira que você folheia antes de dormir, mas não avança mais que duas ou três páginas de tanta coisa que elas te levam a pensar.
Tem tanta coisa ali, que é difícil resumir, mas Pessoa faz algo que eu amo demais, que é escrever prosa com poesia e ficção com uma abordagem de não-ficção. O livro é pós-moderno até o talo nesse sentido, e, mesmo que eu torça o nariz para a filosofia platônica e asceta do autor, sua mente era daquelas capazes de decodificar a experiência humana sem medo de ser sentimental e, ao mesmo tempo, ricamente literário.
Ou seja: praticamente uma Elena Ferrante… virgem e com síndrome do impostor.
No fim das contas, acredito que cada livro te impõe seu próprio ritmo de leitura, e a experiência fica mais legal quando você apenas obedece a essa exigência (tentando fazê-la casar, obviamente, com a sua rotina).
Mas e vocês, o que estão lendo? Me contem aqui, e me digam também se estão curtindo e como é a velocidade de leitura de vocês.
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E a gente se vê na semana que vem!
Um abração,
João
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